Marambaia

Três vertentes convergem na formação de Marambaia, um rio caudaloso que progride num fluxo variado, complexo, sereno às vezes, em outras vertiginoso, ora correndo dentro de margens convencionalmente firmes, ora derrubando limites e abrindo traçados novos e imprevistos, num sistema temporal que flutua livremente – uma obra que se filia, também pela forma, não àquela literatura de consumo, apaziguadora e inofensiva, ou de corrente ética e pedagogizante.

 

Com estilo que convida a sentir, não a comprovar, o que reafirma a autonomia da arte, seu espelhamento de mundo impede uma leitura “pronta”, unívoca e livre de instabilidades nos níveis de certeza a cerca dos fatos e das pessoas da realidade fictícia, essa que duplica a realidade real na oposição negativa entre o plano individual (as paixões dos personagens) e o plano público, ou histórico (costumes, lideranças, eventos e crises).

 

Aqui no curso principal da narrativa as dolorosas mudanças da jovem Antônia no processo de construção de sua subjetividade, o conflito entre a força interior do engenheiro Fernando e seu poder externo e, não menos torrencial, o combate feroz do prefeito Zanotti para garantir a construção de uma usina hidrelétrica em Santa Bárbara da Vigília, imaginária porém verossimilhante aos modelos oferecidos por uma sociedade rebaixada por mitos e preconceitos.

 

Enquanto vem à tona a gênese da trágica condição dos atingidos por barragens no embate com as práticas ditatoriais que sobreviveram no Brasil redemocratizado, segue no fluxo subterrâneo o choque entre universos distintos, uma área rural onde os animais ainda têm nome e um núcleo urbano que, a contrapelo de sua tradição, é alcançado por um projeto desenvolvimentista.

 

Cedo o poeta cedeu espaço ao jornalista, e esse, mais tarde, ao professor de Língua Portuguesa e Literatura. Agora, o escritor Milton Avena Rauber (1962), natural de Cachoeira do Sul e morador de Porto Alegre (RS), reencontra sua vocação ficcional na prosa, estreando no universo do romance com Marambaia.